terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ulisses e o canto das sereias


De todos os perigos que Ulisses enfrentou na viagem de volta para casa, nada se compara ao misterioso canto das sereias.
As sereias ecoavam o seu canto, crescendo de um simples murmúrio à distância até encher o ar com a doçura venenosa de suas vozes. Enfeitiçados, os homens tomavam o rumo daquela ilha de costas verdes como uma esmeralda, e iam despedaçar o navio nos sinistros rochedos ocultos sob a água. Os que escapavam com vida eram devorados. Ulisses foi o único mortal que continuou vivo depois de ouvi-las. Ao avistar a ilha, obrigou a tripulação a selar os ouvidos com cera de abelha e mandou que o amarrassem ao mastro, com as mãos para trás, e que apertassem os nós se ele tentasse fugir. A um sinal do imediato, cinquenta remos feriram a água ao mesmo tempo, impulsionando o navio na direção das sereias. Elas, que tinham reconhecido o herói, dirigiram a ele um apelo que suas vozes mágicas tornavam irresistível: "Chega mais perto, afamado Ulisses! Pára teu navio e vem ouvir nossa voz, que só terás a ganhar! Sabemos tudo o que aconteceu em Tróia, e tudo o que vai acontecer. Vem, aproxima-te!" - e começaram a cantar. Os marinheiros, surdos, continuavam remando, enquanto Ulisses, com o rosto transtornado pelo que elas diziam, lutava desesperadamente contra a corda que lhe apertava os pulsos. Aos poucos, porém, a ilha foi ficando para trás, e as vozes dela se perderam na distância. Sem qualquer comentário, Ulisses retomou o comando. O que ele ouviu, ninguém sabe. Ulisses jamais revelou o que, naquele dia, o levou a debater-se como um louco para se livrar das amarras - mas, ao que parece, as sereias souberam escolher as palavras certas para tocar seu coração, assim como o fariam com qualquer outro que delas se aproximasse. Na Grécia - como hoje -, essa sempre foi a triste sina dessas criaturas sedutoras, mas infelizes, condenadas à solidão de seu rochedo. Frustradas, incapazes de amar, aprenderam a usar o desejo dos outros para aprisioná-los com um canto em que tudo é só promessa, em que tudo é aparência. Muitos passarão por ali, trazidos pelas marés, mas essas pobres sereias jamais irão sair da sua ilha.

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